Capítulo 01 – A roda que se joga na Capoeira também se joga na vida.

    Num belo dia ensolarado uma mãe e seu filho andavam pelas ruas do bairro onde moravam. O garotinho que segurava o vestido florido de sua mãe, de repente, olhou para os lados e, com um olhar de estranheza, a perguntou:

    ꟷ  Mamãe, que barulho é esse?

    ꟷ Quê barulho…?

    Assim que ela parou de andar e aguçou seus sentidos, reparando ao redor, ela escutou alguns barulhos. “Tum, tum, bum! Tum, tum, bum!”. Barulhos de tambores, pessoas batendo palmas e cantarolando ecoavam por toda a esquina.

    ꟷ Ah, acho que vem dali da escola.

    Assim que ela percebeu do que se tratava, ela continuou seguindo em frente, chegando ao local. Chegando próxima à escola, dezenas de pessoas estão reunidas próximo a quadra de Educação Física.

    ꟷ Olha lá, mamãe, olha lá! Eles estão chutando e pulando enquanto rodam!

    Tratava-se de uma apresentação de Capoeira. Quando a criança viu toda aquela agitação, ela ficou completamente exaltada com todas as acrobacias que os capoeiristas faziam.

    Se as pessoas que olhavam da rua já ficavam maravilhadas, olhando de perto era mais impressionante ainda. Com uma roda de pessoas formada por vários espectadores, próximo ao centro estavam os estudantes que tocavam os tambores e o mestre, um senhor de cor preta que aparentava ter por volta de seus 50 anos, com sua barba média e cabelo encaracolado, ambos com vários fios brancos que se destacavam junto aos restantes, que ditava o ritmo musical com o berimbau. Em resposta, as pessoas batiam palmas e cantavam felizes.

    Sob todo esse fervor, os dois protagonistas centrais davam um show de apresentação com suas incríveis performances. A cada ginga, chutes e rodopios, faziam com que o público que estavam assistindo ficassem apreensivos, exaltados e de boquiabertas com o fato de estarem dando golpes de capoeira um no outro, dando cambalhotas, rodopiando e mesmo assim não se tocarem. Era algo que parecia estar desafiando as leis da Física, de tão complexo que era. A cada vez que isso acontecia, as pessoas se sentiam mais e mais aflitas e animadas. E, cada vez que chegava num clímax, o mestre aumentava mais e mais a intensidade do seu berimbau, fazendo o povo ir à loucura com o quão rápido seus movimentos de ginga poderiam ficar.

    Depois de quase uma hora de apresentação com oito pessoas se apresentando, o mestre finalmente diminui o ritmo com seu berimbau.

    ꟷ Senhoras, senhores e companheiros de capoeira! ꟷ Diz o mestre, iniciando seu discurso após todo o batuque cessar. ꟷ Hoje reunimos aqui na Escola Municipal Santo Benedito de Araxá para finalmente celebrar a formatura de mais dois dos nossos alunos do nosso grupo de Capoeira. Pode vir cá pra frente vocês dois… ꟷ Assim que chamados, os dois rapazes vão ao centro da roda, onde encontra-se o mestre. ꟷ …Yukimura e Fábio!

    Yukimura, o mais alto, um jovem japonês com seu corpo musculoso se destacando sobre suas roupas, cabelo cortado e penteado ao estilo soldado cumprimenta o mestre e em seguida em posição de sentido, fica ao lado esquerdo de seu mestre. Logo em seguida, Fábio. Um rapaz com uma estatura média alta, de cor parda com seu corpo magro e musculoso, perfeito para ser ágil na roda. Com suas longas tranças amarradas como um moicano, também o cumprimenta e em posição de sentido, fica ao lado direito de seu mestre.

    ꟷ Vocês dois, é o exemplo perfeito de que a capoeira transcende qualquer tipo de barreiras, seja raça, cor, religião. Dentro da roda, somos todos iguais. Somos todos irmãos!

    Diante desse discurso, várias salvas de palmas vieram das pessoas que ali se encontravam.

    ꟷ A partir de hoje, esses dois jovens trilhará e levará o caminho do respeito para os mais jovens. Eu, com muito orgulho, acompanhei toda a trajetória desses dois e agora, como um companheiro, desejo que semeiam o que aprendeu e que vivam o futuro!

    Ao terminar o discurso, todos ovacionaram com palmas e assovios. E então, a apresentação finalmente chega ao fim.

♦♦♦

    Com o crepúsculo do céu, marcado pelo pôr do sol, os dois amigos caminhavam pela calçada.

    ꟷ E aí, Fábio. Já arrumou um trampo?

    ꟷ Nada. Tive que estudar feito um condenado pras provas do Enem por conta dos meus pais.

    ꟷ Vixe, tá é doido!

    ꟷ Não tinha como fugir. Tinha prometido a eles que, em troca de fazer capoeira, eu tiraria uma boa nota pra tentar o vestibular.

    ꟷ É foda, mano. Mas… promessa é dívida

    ꟷ Hahahá! Nem me fale. E tu? O que vai fazer, Yukimura?

    ꟷ Eu? Hmm, tô planejando ficar uns tempinhos lá no Japão junto com minha irmã.

    ꟷ Com a Hinna? Será que ela ainda tá solteira?  Eu tô disponível pra quando ela quiser, (risos).

    ꟷ Tira os zói da minha irmã!

    ꟷ hahaha! Qualé, imagine só eu como seu cunhado.

    ꟷ Vai se ferrar, bicho!

    ꟷ Hahahahaha!!!

    Os dois continuaram conversando enquanto desciam a estrada. Papo vai, papo vem, até que…

    ꟷ Opa! Cheguei no meu atalho pra casa. ꟷ Resmunga Fábio pro Yukimura apontando pro cemitério logo à frente.

    ꟷ Cê é doido demais, ficar passando por dentro de cemitério num horário desses.

    ꟷ Ué, quê que tem?

    ꟷ O que tem? Vai que um morto resolve aparecer por aí.

    ꟷ Que morto que nada! Tenho mais medo de bandido na rua do que de gente que já foi enterrado. Além do mais, eu cortando por dentro, chego em casa em dez minutos.

    ꟷ Não passo por aí nem ferrado.

    ꟷ Deixa de ser fresco! É assim que um samurai deve ser?

    ꟷ Nem vem! Samurai é a pinóia. Aqui é samurai capoeirista!

    De repente, próximo do muro, as moitas de mato começaram a se mexer todas de uma vez. Os dois olharam de um lado para o outro.

    ꟷ Ei, que barulho é esse?

    ꟷ Sei lá. Talvez seja os mortos vindo te buscar, Hahaha!

    ꟷ Vire essa boca pra lá!

    O barulho ficava cada vez mais e mais próximo deles, até que na frente deles…

    ꟷ Uaaahh! ꟷ Um grito espontâneo saiu do Yukimura enquanto ele se abaixava de medo enquanto protegia sua cabeça com os braços.

    Fábio, olhando toda aquela cena com uma cara de “que diabos ele está fazendo”, questiona seu amigo.

    ꟷ Ei, samurai capoeirista frangote… Não sabia que tinha tanto medo de cachorro.

    ꟷ Ca-cachorro?

    Ao ser questionado com essas palavras, Yukimura olha pra frente e vê um filhote de cachorro “Vira lata de cor Caramelo” latindo pros dois.

    ꟷ Ah, era só um filhotinho? Ufa!

    ꟷ Tá certo, ò medroso. Hahaha!

    ꟷ Ei filhotinho, vem cá, vem!

    Yukimura chama o filhote com alguns assobios, mas com barulho de grunhidos enquanto mostrava os dentes o pequeno começa a latir contra ele e Fábio começa a cair na gargalhada com toda aquela cena.

    ꟷ Hahaha. Parece que ele não foi com sua cara.

    O filhote então corre em direção ao Fábio e começa a rodopiar sobre ele e fica se alisando sobre a calça de Fábio.

    ꟷ Em comparação, parece que ele gostou de você. Que triste.

    ꟷ Não tenho culpa. Acho que vou levar ele pra casa pra. Ele está bem desnutrido. Com um pouco de comida ele deve melhorar.

    ꟷ Só quero ver se seus pais vão deixar.

    ꟷ Lógico que vão. Vou chamar ele de Caramelo.

    ꟷ Putz, que nome mais ridículo!

    ꟷ Né, nada! Serve perfeitamente. Afinal de contas, estou fazendo justiça para uma nota de R$ 200,00.

    ꟷ Sei… Finjo que acredito. Mas, de qualquer jeito, algum dia, o velho coveiro vai te pegar por ficar invadindo o cemitério dessa forma.

    ꟷ Que nada! O velhinho é gente boa.

    ꟷ sei… Finjo que acredito…

    Com a conversa descontraída, os dois se despedem com um comprimento. Yukimura continua seguindo em frente, descendo a estrada enquanto Fábio entra no cemitério por uma parte do muro que está destruído levando o filhotinho em seu colo. Como ele já é habituado a usar esse “atalho” na volta para casa, passa tranquilamente por entre as lápides do cemitério enquanto acaricia o pelo do filhotinho.

    Enquanto passava pelos túmulos, pegou seu smartphone e começou a mexer com uma das mãos.

    ꟷ Opa! Recebi a resposta da Clarinha pelo “Myhezap”. Deixa eu ver.

Ele abre o aplicativo e começa a ler a mensagem.

    “Olá, Fabinho. Claro! Se você pagar, posso dar uma passada sim lá no “Churrastudo”, pois esse mês tô zerada”.

    “Tranquilo, Clarinha. Vai dar pra gente encher o buxo com a grana que eu recebi do meu trampo. Nos vemos lá no sábado, então”.

    Enquanto caminhava tranquilamente com a atenção focada na conversa, a noite foi caindo lentamente. Pequenos tremores junto com alguns barulhos começaram a aparecer. Ao perceber suas pernas começando a tremer, Fábio olha para os lados, e dá uma parada, mas só vê as folhas das árvores que ficam ao redor do cemitério se mexendo, seja por conta do vento ou pelo pequeno tremor.

    O pequeno filhote começa a se agitar e grunhir para os arredores

    ꟷ Achei que tivesse sentido algum tremor. Quê que foi ô Caramelo? Fica quietinho aí, daqui a pouco te dou comida, beleza?

    Mesmo Fábio o acariciando, o filhote não se alcançou e começou a latir. Fábio sem entender, olha aos arredores e novamente não encontra nada, então, quando ia voltar a andar, ele sente como se algo tivesse segurando uma de suas pernas. Quando ele olha para baixo, vários braços de esqueletos saíram do chão e começam a segurá-lo.

    ꟷ Que merda é essa?!!

    Tomado pelo desespero, ele começa a golpear os esqueletos enquanto segurava o filhote que não parava de latir.

    Cada golpe que ele dava despedaçava os esqueletos, mas mesmo assim, a quantidade que cada vez mais esqueletos apareciam era muito superior ao que ele destruía. Com isso, ele passou a gritar por ajuda enquanto tentava desesperadamente achar uma brecha para fugir. Mas sem sucesso, pois em instantes, ele estava completamente cercado por tantos esqueletos que não se dava para saber mais a quantidade exata.

    E para piorar mais ainda a situação, tremores começaram a aparecer e, quando ele menos esperava, todo o chão do local começou a ceder. Tanto os esqueletos, quanto ele e o filhotinho desmoronaram junto com tudo ao redor.

    Logo após, tudo se acalmou novamente no cemitério, como se nada daquilo tivesse acontecido, deixando apenas um grande buraco que parecia não ter fundo pelo chão.

    Dentro do buraco, esgoelado de tanto gritar, Fábio e o filhote, que está em seus braços, são puxados por uma forte sucção em um túnel, que mais lembrava o Espaço Sideral. Eles continuavam caindo, como se aquilo não tivesse fim. Mas, de repente, uma forte luz branca surge a alguns metros à frente. Sem conseguir enxergar nada, instintivamente, ele fecha os olhos e simplesmente desaparece daquele lugar, eliminando completamente suas existências daquele local.

    De repente, ao recobrar sua consciência, ele sente como se estivesse em uma forte rajada de vento. Com muito custo ele abre os olhos e percebe que está caindo de uma altura tão grande, que só consegue ver nuvens em volta de si.    

ꟷ Que merda é essa que tá acontecendo COMIGOOOOOOO!!!!

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